Economia do cuidado: mulheres sofrem com desigualdade no trabalho

A desgastante e invisível rotina das mulheres com as tarefas de casa tem sido tema de discussão crescente para gerar ações que enfrentem essa questão

A economia do cuidado é um tema que tem sido cada vez mais abordado na sociedade e enfatiza a necessidade de se olhar para o trabalho não remunerado que é realizado em sua esmagadora maioria pelas mulheres. Uma casa limpa, almoço na mesa, roupa lavada… quanto tempo se gastou para chegar a esse resultado? Quem fez?  

Essa desgastante rotina é realizada de forma invisível sem que se pense na pessoa que a faz, menos ainda em algum tipo de compensação. Muitas mulheres trabalham o dia todo fora e, ao final do dia, ainda precisam cuidar dos filhos, pensar na refeição, na marmita, arrumar a casa, etc., e não contam com ajuda dos maridos.  

Pensar e discutir isso é cada vez mais premente e, aos poucos, alguns sinais estão sendo emitidos. O tema de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano tratou justamente desse assunto: “Desafios para o Enfrentamento da Invisibilidade do trabalho de Cuidado Realizado pela Mulher no Brasil”. Fazer os jovens refletirem sobre isso é um bom primeiro passo. 

Outro ponto é a iniciativa do Governo Federal em abrir uma consulta pública sobre o tema para ouvir a população. Normalmente esta é a primeira etapa de uma longa discussão que produzirá, no futuro, políticas públicas que levem em conta essas mulheres invisíveis. 

O que é

Mas, afinal de contas, o que é a economia do cuidado? A discussão, infelizmente, é recente, e busca definir um campo para o desenvolvimento de ações que enfrentem essa questão. O relatório “Trabalhos de cuidado e empregos de cuidado para o futuro do trabalho decente” (em tradução livre), elaborado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2018, se propõe a definir o trabalho de cuidado como “atividades e relações envolvidas na satisfação das necessidades físicas, psicológicas e emocionais de adultos e crianças, idosos e jovens, debilitados e saudáveis”. 

Ou seja, são atividades de cuidados voltadas para a manutenção da vida de outras pessoas. São tarefas diárias consideradas essenciais e que, se não fossem feitas, gerariam grande desorganização. Geralmente, tais atividades ocorrem em âmbito doméstico em relação aos familiares e filhos sem qualquer tipo de remuneração.  

Um exemplo do impacto do cuidado é o trabalho sobre economia do cuidado realizado pelo Laboratório Think Olga, ONG que atua na conscientização de questões de gênero na sociedade. O levantamento foi ilustrado com a tarefa da amamentação, que só a mãe pode fazer. Cada mamada leva de 15 a 20 minutos e ocorre de oito a 12 vezes ao dia. Isso é feito todos os dias por pelo menos seis meses, sendo ideal amamentar a criança até completar dois anos. Mas foquemos nos seis meses. O total de horas destinadas à alimentação do bebê nesse período é de 650 horas. 

O levantamento do laboratório destaca ainda outros tipos de cuidados com a família, como auxiliar nos cuidados pessoais, em atividades educacionais, ler, jogar ou brincar com os filhos, entre outros. E o Think Olga lembra ainda dos afazeres domésticos que são múltiplos e em grande medida são efetuados pelas mulheres. 

Isso resulta em uma jornada extremamente pesada. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-c), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres se dedicavam em 2019 a uma média de 21,7 horas por semana ao trabalho doméstico e cuidados não remunerados, enquanto o homem gastava apenas 11 horas.É um esforço que equivaleria a 11% do Produto Interno Bruto (PIB), conforme estimativa baseada na Pnad. 

Quem cuida de quem cuida?

Diante desse cenário, cabe a reflexão: afinal, o que sobra de tempo de vida para as mulheres? Segundo a Think Olga, o impacto na vida delas é imenso, ampliando as desigualdades de renda, precarizando as condições de vida e levando ao estresse, depressão e outros problemas de saúde.

“São as mulheres mães aquelas que assumem a obrigação de distrair as crianças, cuidar da rotina, e ainda para as que trabalham, cumprir as horas trabalhadas. Tudo isso gera muito impacto no caminho profissional e no acesso a renda desta mulher. Ocupada com o ‘invisível’, ela fica privada do tempo e dos recursos necessários para conquistar sua autonomia financeira, permanecendo presa em um ciclo de exploração”, escreve Think Olga em seu site.

Há discussões a respeito de soluções para essa questão. Há proposições, por exemplo, para a inclusão da economia do cuidado no PIB para mensurar melhor o assunto. Outra sugestão, apresentada como projeto de lei no Congresso Nacional pela deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), faria com que passasse a contar como tempo de serviço a tarefa de criação dos filhos para efeitos de aposentadoria.  

A remuneração do trabalho do cuidado também é vista como uma saída, mas especialistas apontam que gerariam efeitos mais positivos a oferta de políticas públicas, como mais creches, além de políticas reprodutivas e demais medidas que possibilitem liberar a mulher para outras funções no mercado remunerado, mesmo sendo mães e esposas. 

Há reflexões em andamento no Governo Federal além consulta pública. Foi criado um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), liderado pelo Ministério de Desenvolvimento Social e o Ministério das Mulheres, para discutir e elaborar propostas para a Política e o Plano Nacional de Cuidados, que estão em gestação.

Think Olga

A Think Olga é uma organização não-governamental de inovação social com foco em criar impacto positivo na vida das mulheres do Brasil e do mundo por meio da comunicação. Seu objetivo é fomentar debates que sejam catalisadores de mudança e traçar estratégias que promovam transformações culturais.

A ONG é um laboratório de inovação social que educa e cria soluções para a desigualdade de gênero. Sua missão é sensibilizar a sociedade, e capacitar agentes de mudança. Referência em economia do cuidado e combate ao assédio, a Think Olga atua junto à sociedade civil e dialoga com o poder público para gerar impacto positivo através de transformações culturais.

ODS 5

Esse assunto faz parte do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5, que diz respeito à igualdade de gênero. Sua meta é: alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. Quer saber mais sobre a ODS5? Clique aqui e conheça tudo sobre o tema com a Nina!

Compartilhar: